Estamos agora no ponto de viragem onde necessitamos de uma Contabilidade de Impacto. A história repete-se: poucos acreditam, mas vai acontecer.
Nuno Moreira da Cruz, na qualidade de diretor executivo do Center for Responsible Business & Leadership da CATÓLICA-LISBON, escreveu o artigo no Jornal Observador, no passado dia 04 de junho de 2021.
Acredito que já não estaremos longe do momento em que definitivamente deixemos de falar de métricas financeiras e métricas não-financeiras. Fazendo algo de história, até há cerca de 10 anos (chamemos-lhe Fase 0), a referência a medidas ESG (Environment, Social and Governance) era praticamente inexistente. Tudo o que as empresas reportavam era simplesmente os tradicionais indicadores financeiros.
Só no início da década de 2010, e por força dos primeiros sinais de que o mundo corporativo tinha mesmo de começar a reagir à emergência climática e às crescentes desigualdades sociais, se começaram a definir indicadores ESG (início da Fase 1), sendo o “Materiality Map” da SASB a mais reconhecida “base de trabalho”. Desde então, muitas empresas têm recorrido a esta (e a outras plataformas semelhantes) para comunicar indicadores não-financeiros. A falta de estandardização e obrigatoriedade de reporte gerou o óbvio: a maior parte das empresas só reportam “where I look good” – se tenho bons números em termos de “diversity” ou redução de CO2, reporta-se; se não tenho… buscam-se outros indicadores onde se faz melhor figura.
Esta é a razão pela qual se sente cada vez mais a necessidade de avançar definitivamente para uma normalização que permita maior transparência para quem investe e seja possível o benchmark entre empresas e indústrias. Esta é a Fase 2 onde neste momento nos situamos. Neste contexto, o Fórum Económico Mundial divulgou no ano passado, durante a cimeira em Davos, um relatório, propondo um conjunto de métricas de ESG que as empresas devem reportar, independentemente da sua indústria ou geografia. Organizados em torno dos pilares dos princípios da governação, planeta, pessoas e prosperidade, as métricas identificadas alinham os vários padrões existentes. Desde então, 120 membros do International Business Council do Fórum mostraram um forte apoio às métricas de ESG propostas (29 “core metrics” e 37 “expanded metrics”), tendo várias empresas começado já a incorporá-las nos seus relatórios.
Como referiu Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Económico Mundial, “this is a unique moment in history to walk the talk and to make stakeholder capitalism measurable. Having companies accepting, not only to measure but also to report on, their environmental and social responsibility will represent a sea change in economic history”.
Esta estandardização e regulamentação é de facto um passo fundamental e necessário no caminho da transparência de atuação corporativa, mas não ainda o passo definitivo e suficiente. Esse só será dado com a noção de Impact Accounting (Contabilidade de Impacto) onde essas métricas ESG se transformam definitivamente em métricas financeiras pela sua inclusão direta nos resultados contabilísticos das empresas. E essa será a Fase 3, fase em que a distinção entre financeiro e não-financeiro desaparece, onde as externalidades (do ambiente ao social) aparecem totalmente incluídas nas contas das empresas, onde as consequências das nossas ações não só para o capital financeiro e físico, mas também para o capital humano e natural são contabilizadas.
No que me diz respeito, considero que este é provavelmente um dos maiores obstáculos à implementação definitiva da noção de “Responsible Business” em todo o mundo empresarial. Tarefa difícil, mas absolutamente necessária. Como alguém dizia recentemente “também ninguém acreditava há 100 anos que era possível ter uma contabilidade única e universal, e aconteceu”. Estamos agora no ponto de viragem onde necessitamos de uma Contabilidade de Impacto – e a história repete-se: poucos acreditam, mas vai acontecer. A bem das pessoas e do planeta.
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