As gerações que agora entram no mercado têm uma sensibilidade ao que está a acontecer à nossa volta (Planeta e Pessoas) que as gerações anteriores não tinham.
Nuno Moreira da Cruz, na qualidade de diretor executivo do Center for Responsible Business & Leadership da Católica-Lisbon School of Business & Economics, escreveu o seguinte artigo no Jornal Observador, no dia 04 fev 2022.
À medida que entramos no novo ano, é sempre um exercício saudável refletir sobre o que parecem ser as variáveis-chave suscetíveis de afetar o mundo corporativo na sua jornada para se tornarem negócios mais responsáveis. Entre várias que seguramente merecerão ser mencionadas, escolhi duas onde, creio, a maior parte do foco corporativo (especialmente na Europa) tem de estar.
Compreender o impacto das Finanças Sustentáveis
Os recentes desenvolvimentos na legislação europeia e o envolvimento imparável das instituições financeiras no processo colocarão definitivamente a agenda dos ESG (Environment, Social, Governance) no centro das operações da empresa. Se alguma empresa ainda não entendeu a “onda” que vem aí e o enorme potencial para impactar tudo o que a envolve, sugiro que acordem para esta realidade. Estamos a falar do mundo “real”: dinheiro e crédito. O sistema financeiro (onde a Europa, mais uma vez, lidera o mundo em termos de Sustentabilidade) assumiu definitivamente o controle destes desafios e colocou em marcha toda a artilharia pesada dos seus processos e capital: o dinheiro fluirá para empresas a custos e ritmos diferentes, dependendo do desempenho do ESG.
2022 ficará certamente na história como o ano em que esta relação das empresas com o crédito começou a mudar, onde, de uma vez por todas, o acesso ao crédito financeiro incluirá uma variável importante no processo de tomada de decisão: compromisso e desempenho dos ESG de cada empresa. Tornar-se-á a variável-chave (a par do desempenho financeiro) em termos de segmentação de clientes e deixará de ser possível às empresas tentarem aceder ao capital (sejam empréstimos financeiros ou envolvimento de investidores) sem uma “conversa com factos” em torno destas questões. A prova de que as empresas estão realmente a tornar-se “empresas mais responsáveis” tem de estar presente.
Como ouvi recentemente um banqueiro dizer num evento público: “Atualmente, quando analiso os meus clientes, foco-me mais no relatório de sustentabilidade do que nas contas anuais”. Mesmo que a afirmação não esteja totalmente alinhada com a verdade, o simples facto de a ter expressado publicamente mostra como o ambiente está a mudar.
Mas como tenho vindo a defender, e já o escrevi em artigo recente nesta coluna, este é apenas o primeiro passo. O próximo passo será em torno da Contabilidade de Impacto, onde deixaremos de falar de medidas financeiras e não financeiras (ESG) – todas elas serão financeiras, uma vez que todas serão contabilizadas. Provavelmente a variável-chave que mencionarei em artigo semelhante dentro de um ano?
Compreender a procura de talento
A atração e retenção de talento sempre foi obviamente uma prioridade para as empresas que querem fazer a diferença e liderar. Mas o que precisa agora de ser totalmente compreendido pelas empresas é o que está realmente a mudar nessa atração e retenção de talento. O que é que estas novas gerações realmente procuram? A pandemia acelerou certamente algumas das tendências do mercado de trabalho (o trabalho remoto é o exemplo mais óbvio), mas nenhuma empresa pode já afirmar ter compreendido qual é a expectativa deste “novo talento” ao entrar no mercado de trabalho.
Algo parece estar claro: essa expectativa é diferente e as empresas capazes de mostrar a sua vontade em se adaptarem terão acesso a esse talento de uma forma mais eficaz. É difícil entender como muitas empresas ainda se posicionam como “as coisas voltarão ao que sempre foram” – bem, sugiro que façam o luto com o passado e revejam esse posicionamento.
As gerações que agora entram no mercado têm uma sensibilidade ao que está a acontecer à nossa volta (Planeta e Pessoas) que as gerações anteriores não tinham. Embora a minha geração pudesse dizer “não sabíamos o que se passava em termos de Planet & People e, mesmo que soubéssemos, não nos afetaria” das recentes pode dizer-se “sim, eles sabem e sim vai afetá-los”. Temos de chegar ao fundo desta realidade para podermos compreender porque é que as suas expectativas são diferentes e porque é que a sua relação com o mercado de trabalho é diferente. Na minha humilde opinião, tudo começa e acaba aí.
Quando essa imagem se tornar totalmente clara, as empresas compreenderão que se trata de muito mais do que simplesmente “trabalho remoto” ou de um “melhor equilíbrio entre trabalho e família”. A questão é muito mais vasta e pode ser tão abrangente como ter políticas sólidas de apoio à saúde mental ou regras transparentes sobre os direitos humanos na cadeia de abastecimento – apenas para mencionar duas questões fundamentais que se tornarão certamente mainstream na agenda empresarial.
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