Nuno Moreira da Cruz, na qualidade de diretor executivo do Center for Responsible Business & Leadership da CATÓLICA-LISBON, escreveu o artigo na revista Human Resources, no passado dia 25 de agosto de 2021:
Tenho para mim que uma das principais fontes de ineficiência nas empresas é a incapacidade de ouvir. Ouvir “genuinamente” é uma arte, infelizmente muito pouco presente e treinada no mundo corporativo.
Dados estatísticos indicam que passamos 80% do dia em alguma das quatro formas de comunicação: falar, ler, escrever e ouvir, sendo que, das quatro, o ato de ouvir é onde consumimos 60% do tempo. Curioso é que ao longo da vida vão-nos ensinando a falar, ler e escrever (onde consumimos apenas 40% do tempo) e nunca nos ensinam a ouvir. Esta é a má noticia, a boa é que se pode treinar a capacidade de ouvir – tive esse privilégio no início da minha carreira profissional e recomendo às lideranças que invistam nesta formação.
Muita dessa formação passa simplesmente por aprender a calar as “vozes internas” que vão “falando” connosco (entre outras, “já sei o que este vai dizer”; “que lhe digo eu quando se calar”; “que posso aproveitar disto que estou a ouvir para usar em outra ocasião”; “que estarão os outros a pensar sobre o que ele está a dizer”). Não é um exercício de aprendizagem fácil, exige muito disciplina e concentração – tudo passa por aprender a “apanharmo-nos” quando essas vozes aparecem e sermos capazes de as calar.
Na vida pessoal, o melhor exemplo surge em conversas entre pais em que uma mãe (ou pai) está a comentar o que já faz o “meu Pedrinho”. Obviamente a outra mãe (ou pai) só está à espera que ela (ou ele) pare de falar para se gabar do que já faz o “meu Joãozinho”.
E é isto, com esta crueza, o que acontece na esmagadora maioria das organizações. Pura e simplesmente as pessoas não se ouvem. Se alguém duvida, não tem mais do que pedir, numa próxima reunião, que as várias pessoas presentes lhe façam uma resenha sucinta do que foi dito. Verá quantas versões diferentes recebe e que o levará a pensar se de facto estiveram todos na mesma sala.
Este é um fenómeno que conduz inexoravelmente a uma enorme ineficiência e pior ainda, a melindres e “mal-estar” que se vão instalando nas equipas.
As vantagens, pelo contrario, parecem obvias e provadas. Retenção de colaboradores (quem não se sente ouvido passa a ter “ouvidos” para alternativas no mercado), melhoria da produtividade (desaparecimento de ineficiências e diminuição do risco de desentendimentos sobre o que se pretende) e um muito maior espírito de equipa (“sense of belonging” pelo sentimento de inclusão que gera), são apenas alguns dos benefícios óbvios de uma cultura de escuta.
Como em quase tudo, o exemplo vem de cima, é fundamental que o líder tenha consciência desta realidade e se esforce por ouvir, sem hesitar nunca, se necessário, em repetir o que ouviu para garantir que tudo foi entendido. Isto, sobretudo em ambiente de reuniões de equipa, tem dois imediatos efeitos positivos: quem fala sente-se ouvido e os outros presentes entendem rapidamente as regras do jogo. Ajuda ainda muito que, esporadicamente, se peça a outro membro da equipa que repita o que o “peer” acabou de dizer. É o reino da escuta genuína que se põe em marcha.
Exemplos de liderança em ambos os sentidos estão documentados.
Pela negativa, Jeff Immelt, antigo CEO da General Electric, que costumava responder “You just don’t want it bad enough!” àqueles que consideravam os objetivos anuais demasiado ambiciosos. Isso levou ao fenómeno do “success theater”, em que os colaboradores comentavam os resultados de forma a evitarem conversas difíceis sobre problemas existentes e apenas sugeriam que tudo estava a correr bem.
Pela positiva, Kevin Sharer, antigo CEO da Amgen que sempre recordava às suas equipas “If you just walk around and see a bunch of smiling faces and say, ‘Gee, everybody looks happy to me,’ you’re not listening.”
Termino com um alerta para um erro básico de muitas lideranças que ao longo da vida pude testemunhar: ser o primeiro a falar em reuniões de equipa sempre que se trata de tomada de decisões. Infelizmente isto é muito vulgar e sempre tive dificuldade em entender porquê, quando se tem tudo a ganhar em ser o último. Isto obviamente nos líderes que estão genuinamente interessados em criar equipas eficientes e motivadas. Se o único objetivo é de facto gostarem de se ouvir a si próprios pois então sim, é seguir por esse caminho. Na certeza, porém, de que o único que o estará a ouvir é aquele que lhe aparece ao espelho.
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